Alberto Júnior é jornalista, professor de língua portuguesa, inglesa e espanhola, mestrando em Ciências da Cultura pela Universidade de trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal. Membro da Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes, e autor dos livros Jornal Universitário. Uma História (2004), Meu dicionário Está no Lixo (2005), Professor: A Arte de Fazer Aprender (2008) e Passando a Língua. Curiosidades do Nosso idioma (2011).
Quem vai a Itapecuru Mirim, cerca de 110Km da capital, São Luís, não imagina a importância deste lugar na história do nosso país e como ainda hoje outros locais como Rio de Janeiro, por exemplo, têm relação com a “ribeira do Itapecuru”. Mesmo porque sua história parece ter sido esquecida nos últimos 10 anos e a cultura abandonada.
As primeiras referências à povoação da região datam dos anos de desbravamento para exploração das terras. Em 1768 os moradores pediram ao rei de Portugal confirmação de vila que ali fora fundada anos antes por ordem régia, o que indica haver história anterior a esta data.
Pouquíssimas pessoas sabem que em terras itapecuruenses viveu um príncipe irlandês, patriarca de uma das famílias mais importantes do Maranhão. Lancellot (Lourenço) Belford chegou ao Maranhão no ano de 1736 e por votla dos anos de 1738 ou 1739 casa-se com Isabel de Andrade Ewerton, filha do capitão (norte americano) Guilherme Ewerton, rico proprietário de lavouras na região de Cajapió, baixada maranhense.
Lourenço Belfort nasceu em Dublin, Irlanda, em 05 de Julho de 1708, foi batizado na paróquia da vila de Michans, arcebispado de Dublin, como comprovam sua certidão de batismo e de cristão velho. Descende de uma antiquíssima família de nobres irlandeses, os Berford, família de origem no nobre Geoffry Berford que viveu em 1190. Sua saída da Irlanda está ligada á perseguição religiosa e ao confisco de terras em determinada época por problemas sociais daquele país.
De espírito aventureiro Lourenço Belfort sobe o rio Itapecuru à procura de lugar para se estabelecer. No sítio escolhido para tal objetivo funda um engenho ao qual deu o nome do castelo de seus ancestrais na Irlanda, Kilrue. O engenho prosperou com o plantio, colheita e industrialização dos frutos da terra com maior destaque para o arroz e algodão.
Lourenço envia pedido de reconhecimento de sua ancestralidade nobre de origem irlandesa e em 20 de Julho de 1758 D. José I, rei de Portugal, concede a este o Hábito da Ordem de Cristo1. Em 21 de Junho de 1761, na igreja de N. S. da Conceição de Lisboa, foi armado Cavaleiro da Ordem de Cristo, neste mesmo dia, na igreja de N. S. da Luz tendo professado e recebido o hábito.
“Ao muito illustre e
Reverendíssimo Senhor Doutor Joam Rodrigo Covette, Acipreste da Igreja Cathedral
do Maranhão, Comissário da Bulla da Cruzada Vigário Geral do Temporal e
Spiritual, Juiz dos Cazamentos e Justificaçõens e Habelitaçõens de geração, e
das Capellas e Riziduios no Bispado do Maranham, pelo Excelentíssimo e
Reverendíssimo Senhor Dom Frey Antonio de Sam Jozé da Ordem de Santo Agostinho,
Bispo do Mesmo Bispado, do Conselho de Sua Magestade Fidelíssima.Frey Thomaz de
Burgo, da Ordem dos Pregadores, Mestre na Sagrada Theologia, Protonotario
Apostólico por Graça de Deus e da Santa Sé Apostólica, Bispo de Osoria,
Sofraganio do Illustrísssimo e Reverendíssimo Dom Ricardo Limeollo Arcebispo de
Dublim, Primaz da Ibernia, deseja muita saúde ao sobre dito.
“Receby as letras
requisitórias de vossa Senhoria Reverendíssima a respeito da inquirição do
Senhor Lancellote Belfort, e dos seos ascendentes, e sobre os quisitos della com
toda a diligencia tomei todas as informações necessárias, e oportunas assim por
testemunhas, como por notários públicos desta Província aonde reina a ejrezia,
por cuja razão nãomandamos os actos originaes,. Pois se deve dar mais credito,
os que das ditas inquiriçõens dissemos nos Dom´nios, e Estados Catholicos pela
nossa fé, do que a tudo o que contem a letra, a inquirição que tomamos.Porem vos
attestamos nós Arcebispo e Bispo sobredito, e vos damos sem duvida ffe de que
pellos documentos autênticos, nos consta claramente.Primo; quue o referido
Senhor Lancellote Belfort, que agora vive no Maranham, he filho legítimo do
Senhor Ricardo Belfort, e da Senhora Izabel Lowther ambos Catholicos Romanos, os
quais tivera este filho de leggítimo matrimonio que contrahirão, que foi
baptizado na Parochia da Cidade de Sam Micama do Arcebispado de Dublim em sinco
de Julho de mil settecentos e oito. – Segundo, que o dito Ricardo nasceo em
Castello Ricardo no Condado Midensi junto do Quilrã Castello eludial da família
Belforts, pertencente a mesma. ha muitos secolos, e sua mulher Izabel Lowther
nasceo em Onnisfrilenam Capital da Provoação do Condado de Ferinacanni, ambos
baptizados solennemente.Terceiro, que referidos Pais do dito Lancellote morrerão
no Grêmio da Santa Madre Igreja Catholica com todos os Sacramentos, e se
sepultarão na Parochia de Santa Maria de Moleidard junto a Metropole de Dublim.
– Quarto, que os Avos do dito Lancellote, Pais de Ricardo et setra, forão João,
que nasceo no referido Castello Kilerânne, e sua nmulher a Senhora Catharina
Barneval, filha do Senhor Patricio Barneval Cavaleiro Ilustre do ditto Condado
Midensi, os quais todos forão christaons baptizados e catholicos Romanos.Quinto,
que o sobredito Lancellote Belfort, tanto pela parte Paterna como Materna, he
aparentado com os principaes do Reino Biscondes, et setra, Baroens et setra que
se omittem por evitar prolixidade. – Sesto, que o Sobredito por seus Pais e Avos
he Christão velho, Catholico Romano, sem raça de infecta nação Judaica, e para
que se de inteira ffe as presentes letras, e a esta Attestação, como que fosse
aos proprios documentos, que se juntão, de que esta se extrahe; se extrahe seo
mesmo dos referidos documentos de minha própria mão a estrahy dellas, e seley
com o meu sello, e asistencia do referido e Illustrissimo Arcebispo; dada em
Kalibannia a outo de Dezembro de mil sete centos e sincoenta e nove. Frey Thomaz
da Ordem dos Pregadores, Bispo Osiriensse.”
Lourenço Belfort morreu em Lisboa no final do ano de 1777 quando ali se encontrava de passagem, por lá foi sepultado. Deixou testamento e seus herdeiros, não menos importantes figuras na província do Maranhão deram continuidade ao seu legado. Podemos, para citar alguns, destacar dentre seus descendentes magistrados, barões, nobres e ricos proprietários de terras.
No local onde fundou seu engenho hoje há uma pequena povoação que conservou o nome “kelru”, aportuguesamento da denominação do castelo de onde origina-se a família Belfort (ou Belford, em irlandês). Em outro sítio da mesma propriedade Lourenço mandou construir uma capela em homenagem a Saint Patrick, onde, segundo Edmundo Murrey (2006), houve a primeira manifestação do Saint Patrick’s Day de que se tem registro no Brasil, no dia 17 de Março de 1770. A tal capela já não mais existe, mas uma pequena povoação com o nome de São Patrício de Kelru preserva a memória da história ímpar da região.
Ainda hoje os Belfords irlandeses buscam assegurar o direito às propriedades que lhes foram tiradas pela política de confisco da coroa britânica, que tomou as terras dos antigos clãs gaélicos e hiberno-norman dandos aos colonos provenientes da inglaterra. Isto causou um choque social, criando uma calsse dirigente protestante que acabou por depor a antiga calsse dominante católica.
Há registro de suas posses na região de Kylrue em documentos irlandeses datados desde o ano de 1563, mas um detalhado genealógico feito pelo Journal of the Meath Archaeological and Historical Society atesta sua presença no baronato de Ratoath desde o século 12.
“O primeiro senhor feodal que tomou o nome de Belford, ou Berford em irlandês, era originário da Normandia príncipe e duque que sendo coronel foi alferes mor (porte oriflamme) de Henri II, Rei da Inglaterra, a quem acompanhou a Irlanda onde, em 1171, foi criado conde de Belfort e Lord de Tarah. Investido de um dos antigos principados irlandeses, que sob a forma de condado feodal foi successivamente passando aos seus descendentes, todos condes e lords, coube de direito a todos elles a hereditariedade do título de príncipe, deixando de ser transmissível o título de duque por ter continuado o seu domínio féodal a ser sempre mantido sob forma de condado, ou por ser elle duque como chefe militar, título que então trazião os generaes chefe de exército». Há em nossos arquivos alguns documentos referentes à Família Belfort, que foram registrados no Consulado do Brasil, em Paris, a 15 de Setembro de 1910, provando sua origem Real no século XI - e que, pelos Reis de Portugal descende diretamente de Roberto “O Devoto”, Rei de França, e de Affonso VI, Rei de Leão e Castela; e pelo primeiro Senhor feudal de Belford, Príncipe e duque, descende de Guilherme, duque da Normandia, posteriormente Rei da Inglaterra.” (BARATA, 2001).
“O último irlandês conde e príncipe de Belfort, de direito, segundo alguns pesquisadores, foi Lancelot Belfort [bat. 05.07.1708, Dublin, Irlanda - Lisboa], que deixou testamento feito em São Luiz do Maranhão, a 15 de março de 1775. E data incerta, retirou se para Portugal, de onde emigrou para o Brasil, fixando se na Capitania do Maranhão, onde foi Almotacel em 1744, 1750 e 1754; Vereador de 1753 e 1759 e Juiz de Fora interino. Fundou na margem esquerda do rio Itapicuru uma importante Fazenda, denominada “Kylrue” nome da propriedade feudal de seus antepassados, na Irlanda.” (BARATA, 2001)
1. Ordem de Cristo é uma ordem religiosa e militar, criada a 14 de Março de 1319 pela Bula Papal Ad ea ex-quibus de João XXII, que, deste modo, acedia ao pedidos do rei Dom Dinis. Recebeu o nome de Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo e foi herdeira das propriedades e privilégios da Ordem do Templo.
FONTES:
http://www.itapecurunoticias.com/?pag=noticias&acao=exibir&id=3986
- Costa, John Wilson da. “A Casa dos Belfort no Brasil” in Revista do instituto Heráldico e Genealógico, nº 9, 1942.
- Coutinho, Milson 2005. Fidalgos e Barões. Uma história da nobiliarquia luso-maranhense. São Luís. pp. 137-139.
- Gallwey, Hubert 1979. The Berfords of Kilrue. Ríocht Na Midhe, Vol. VI, 4, 89-115
- Jim Byrne, Philip Coleman and Jason King (eds.), Ireland and the Americas: Culture, Politics and History (Santa Barbara, CA: ABC-CLIO, forthcoming 2006).
- Marshall, Oliver, Brazil in British and Irish Archives (Oxford: Centre for Brazilian Studies, University of Oxford, 2002)
- Von Allendorfer, Frederic. 'An Irish Regiment in Brazil 1826-1828' in The Irish Sword Vol. 3 (1957-1958), pp. 28